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30 jan 2020

As meninas e o futuro da Educação no Brasil

O Brasil ampliou, nos últimos anos, de forma significativa, o acesso à Educação Básica. Depois de ser um dos últimos países a universalizar o acesso ao Ensino Fundamental — o que acabou ocorrendo apenas no início do século 21 — o país vem aumentando progressivamente a matrícula de jovens de 15 a 17 anos nas escolas, chegando a  91,5% dos jovens desta faixa etária, embora apenas 68,7% deles estejam cursando o Ensino Médio, dada a elevada distorção idade-série. Na pré-escola, já são 93% das crianças de 4 e 5 anos em centros de Educação Infantil.

No entanto, junto com a quantidade de novos alunos, vem o desafio de educar crianças de meios mais vulneráveis. Esta é a tarefa que ainda não aprendemos a fazer. Garantir aprendizagem para todos, estabelecendo excelência combinada com equidade, é algo em que ainda patinamos.

Isso é o que mostram os números do último PISA. Avançamos nas três áreas avaliadas pelo exame aplicado pela OCDE em 2018, mas as melhorias são marginais e mostram uma ainda maior distância entre a educação que recebem os alunos provenientes de meios mais afluentes e a oferecida aos estudantes em situação vulnerável.

Mas o que chama a atenção na divulgação dos dados e que foi pouco comentado pela imprensa brasileira são as diferenças de gênero nos resultados brasileiros. Como em versões anteriores da prova, as meninas se saíram melhor em Leitura (com 26 pontos à frente) e os meninos em Matemática (com 9 pontos à frente das meninas).  Esta diferença tem se mantido constante no Brasil e, no caso da Matemática, é maior que a diferença média da OCDE.

O que estes números mostram? Como a Ciência não confirma a hipótese de que exista um cérebro masculino, mais familiarizado com os números e preparado para o raciocínio matemático, estereótipos culturais podem ser responsáveis por um desempenho inferior das alunas. Da mesma maneira, não parece haver razões biológicas para uma pontuação mais baixa por parte dos meninos em Leitura.

Outros problemas associados à gênero explicam por que, embora a escolaridade média das mulheres no Brasil seja mais elevada que a dos homens, as adolescentes integram em maior proporção o exército de jovens que não estudam nem trabalham. Uma das razões é relacionada ao cuidado, seja dos irmãos mais jovens ou dos pais que envelhecem, ainda presente no Brasil. Outra é o casamento precoce ou gravidez na adolescência. Ao engravidarem, muitas meninas têm vergonha da sua condição de mãe, deixam de viver parte da vida social própria da idade e não contam com uma rede de suporte tanto emocional quanto de apoio para o cuidado da criança.

Independente do gênero, há um importante fator que tem levado ao abandono escolar: a elevada taxa de reprovação, sobretudo no ensino médio. Os jovens que repetem de ano, se já estiverem mais velhos que a idade correta para a série, tendem a abandonar a escola. Perdem eles e perde o país com isso. Qual a solução? Passar de ano sem aprender? Não, é ensinar para que todos aprendam e contar com bons sistemas de recuperação de aprendizagem.

Mas voltemos às meninas. Ao abandonar a escola, elas desativam o mecanismo que poderia interromper a transmissão intergeracional de pobreza e, salvo poucas e honrosas exceções, a próxima geração tende a continuar em situação de vulnerabilidade.

Não é por acaso que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4, que se refere especificamente à Educação, contenha em várias de suas metas a expressão “meninos e meninas”. Sim, devemos assegurar educação de qualidade a todos, mas por vezes as ações adotadas pelos países terão que ter um olhar focado para os diferentes gêneros, com seus distintos desafios. No caso das meninas, a existência de banheiros, a distribuição de absorventes e a atenção a preditores de abandono escolar podem ser fatores decisivos para mantê-las na escola.

Para as que estão grávidas ou já têm filhos, vale a pena preparar um clima escolar em que elas possam se sentir bem-vindas e, eventualmente, trazer seus bebês para a escola — com espaços preparados para essa hipótese. O apoio de outras políticas públicas pode ser particularmente importante.

Da mesma maneira, vale a pena mostrar à jovens que elas podem sim ter sucesso em áreas tradicionalmente não associadas a mulheres, como Matemática e Ciências. Um programa voltado especificamente para despertar o interesse das meninas nessas áreas pode trazer bons resultados.

Com a automação acelerada e o advento da Inteligência Artificial, o que menciono no meu texto “Educar para a Sustentabilidade”, veiculado no recém-publicado livro “25+25 – Sustentabilidade: o estado da arte”, organizado por Israel Klabin, o mundo do trabalho deve mudar muito, com a extinção de muitos empregos e criação de novos que demandarão, porém, competências muito mais sofisticadas.

Fonte: O Globo